Dentre os limitados conhecimentos que tenho sobre a temática das patologias, seja por leituras e ainda mais pelo intermédio do contato com tantos outros, – semelhantes -, tento-me não cair na facilidade/fatalidade em adentrar em enquadrinhamentos que sejam, linhas retas e contínuas, pontos em comum, por mais que aproximem-se ao poder ser dito que isso é isso e aquilo é aquilo, ou, isso não é isso, e, aquilo não é aquilo, é muito delicado ao meu ver organizar-se perante uma contínua objetividade, racional, tendo em vista nomeações, conceitos e significados até então normativos em nossa humanidade.
Torna-se difícil chegar a algum lugar sem antes poder pensar em o que te trouxe para até então você quer chegar; mas para além, o que te moldou para até então? De onde chegas este fruto de conhecimento, de experiências de vida? É preciso dar maior profundidade ao caráter histórico, enquanto formação e estruturação, deste chamado ser, desta então chamada humanidade, para assim então observar sua “forma do ser” que implica neste chamado dominante. Que instância é essa onde toma-se posse, impõem, deduz, aprisiona, escanteia, desgasta, desmata, que em contato ou não ao outro o atinge? Que sejas ao ato de impor que isso é isso… Como fomos construindo uma ideia de humanidade ao longo de nossa humanidade? De certo e errado, de felicidade, de progresso, de doença, de saúde? Será que ela não está na base de muitas das escolhas erradas que fizemos, justificando tantos distúrbios (criados?), vidas rotuladas, medicalizadas, marginalizadas, ou até mesmo quanto ao uso da violência? Tomar/tornar posse/liga de.
A ideia de que alguém pode “sair colonizando” sustenta a premissa de que há alguém mais esclarecido que precisa ir ao encontro de alguém menos esclarecido, trazendo-o para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história. [i]
“Para um martelo, tudo é prego; ao diagnóstico, é concluir-se a si mesmo.”
No contexto a que se refere a patologia, realizar um estudo na busca por entendimento, é perceber que existem formas de visualizar as doenças; apresentam-se em inúmeras roupagens, vestem e caracterizam-se através de um viés histórico social, e que refletem hoje nas formas/normas de conduta e nomeações de critérios a serem considerados/diagnosticados, ou mesmo percebidos. É poder visualizar a doença dentro de um caráter histórico e compreender que isso fala muito dos valores que hoje estão em jogos. Em meio a nossas relações, ligamo-nos aos outros, o sujeito, produz o páthos, através de um enlaçamento com o outro, ou seja, o padecimento é ligado – sempre – ao outro. O mundo nos engloba e nos interliga; as coisas, e, os outros, nos movimentam. O outro, com seu próprio movimento e na medida em que nos relacionamos com ele, na medida em que com o tempo, vamos tomando consciência dessa integração de consciência; ele chega e parte de mim já está em contato a essa aproximação, e aí que surge um terreno aonde adentro estamos.
Segundo Garcia e Aldaya:
A definição de fronteira envolve as diversas materialidades existentes em qualquer processo de interação social. Por isso, falamos de discursos escritos, discursos visuais, comportamentos diferentes, representações, etc., todos os símbolos construtores do que é igual e diferente. Símbolos que permitem aproximar o semelhante e deixar de fora o diferente. Símbolos, também, que fazem da identidade algo permeável e movente, pois o mesmo estatuto simbólico dessas materialidades a converte em algo dificilmente estático e imutável. [ii]
Surge assim, um mecanismo que acaba por operar essa delimitação, separação e controle entre aquilo que está dentro e aquilo que está fora. Estabelece-se, dessa forma, um jogo dinâmico de velocidades e intensidades distintas, a fronteira vai ser constituída, portanto, por tensionamentos. E tensionamento, sempre deve ser entendido como um processo positivo, pois é condição de possibilidade do novo.[iii] A palavra acaba por ser uma via de acesso, de mediação e entendimento, de conhecimento, de comando, também, de manipulação, de tomada de posse da vida de outro alguém; afinal, ouvimos, sentimos, e por vezes, em certas condições, acabamos por interpretá-las, aceitá-las, internalizar e externalizar. As coisas falam por sí mesmas?
É poder pensar que patologias possam vir na medida em como administramos as coisas; as palavras, os afetos, os sentimentos, a matéria, o Outro, os outros, e o que resta. O transtorno, enquanto dar reviravoltas em algo que transtorna, a falta que a falta tem. A cura, não como uma conscientização do inconsciente, mas sim como uma reestruturação simbólica do sujeito frente a sua própria estrutura, – una, próxima à semelhança. Administração essa que fala em como se manifesta, ao ser, em si, tudo aquilo que já é e o que também se chega.
Assim como pode haver má formações físicas no decorrer da gestação, as mentais estão ai e percebe-se a genética envolta de (problemas) do desenvolvimento humano. Casos e casos, cabe aqui pensar nesta construção de vida partindo da própria relação com seu antecessor; cuidadores, familiares, semelhantes, tendo como ponto de partida um nascimento saudável e construído a partir de então. Fatalidades acontecem e estamos submersos em causalidades e consequencialidades que incoerentemente aproximam-se de nós. O objeto de estudo passa a ser, o desenvolver-se desta consciência que algo traz, – que sejas a reviravolta mental, o distúrbio, a doença, em seu desenvolver. Tendo a ideia que o pensar na doença traz como sua polaridade o saudável/o não doente, quem é este sujeito saudável? A que critérios de discursos condiz ao/o saudável? Não estamos todos imersos nisso que podemos chamar de realidade; sujeitos a? Como o sujeito vive essa realidade condicionada no coletivo?
É aquele que percebe a inconstância das coisas, e com isso neurotiza? Faz brechas em incoerências e vai levando as coisas na constância dos pensamentos e na sua verdade? Não deixando-se levar? E como não fugir disso perante tantos acontecimentos de experiencias, por vezes, incoerentes a; duvidosos, fatais, que marcas deixam, – dia após dia -, fazendo-nos temer, sonhar, refletir e viver outros campos de uma mesma realidade, que vão compondo-nos? Que seja o deixar para traz, tomar consciência e seguir? Isso é saudável? Como querer encaixar tudo em uma coisa só? Caminhos que abrem-se, naturais ou não – pra não dizer sintéticos(modificados), e vão compondo estruturas formativas, do ser, ao ser. Que capacidade é essa do saudável, em poder situar aquilo que está fora, dentro? No sentido de permear as diferentes instancias psíquicas que o contato com outro possa trazer e não transtornar-se perante a isso, além também de poder encaminhar, – do contato a alguém – aquilo que está fora, para dentro, de si; de si ao outro, ao entendimento do outro, em si. Pois bem, se há a concepção de saudável, existe a possibilidade de deixar para fora o que não é, e que está fora, do saudável. Então existe fora? Voltam-se às fronteiras materiais.
Como lógica de nosso funcionamento, nos organizamos, desorganizamo-nos, integramos, reestruturamos, e novamente nos organizamos. Voltas e mais voltas, “a consciência, então, capaz de transitar, movimentar-se, ganha um caráter estático, rígido, tendo em vista que o mundo não se coloca como um problema para ela, mas como um dado.”[iv] É poder pensar no tempo enquanto estável, mas para além; não em recuperar o equilíbrio anterior, mas gestar novas formas de equilíbrio aberto, em coletivo. Para Góis, significa assim, dar prioridade à transformação objetiva da realidade e ao desenvolvimento da consciência pessoal e social em um só processo de desenvolvimento, no qual são essenciais a ação-discurso, o diálogo problematizador, a conscientização, o conhecimento crítico e a transformação solidária da realidade.[v]
Os transtornos então ai, – muito já compostos; então como moldar-se/transitar a isso também? Enquadrinhamentos e deduções que percorrem o campo do simbólico, dando as caras no indivíduo. Refletem por onde passam, ficam em alguns; remoem-se, incomodam, reviram-se, adoecem; fazendo de tudo para que isso se estabilize, pois a doença necessita de estabilidade, e aqui entra o medicamento para remediar a dor ou trazer uma nova perspectiva de funcionamento, amparada. É preciso romper estruturas, criar pontes, brechas, fissuras, dar novas saídas e novos caminhos para aquilo que acontece nesse individuo (doente); buscar entender o que de fato está em jogo nesse transtorno em questão para assim reestruturar o indivíduo, no coletivo, pois é no relacionamento com o outro que produzimos vida, ou morte. Para onde estamos caminhando nessa era tecnológica e instantânea? Onde o desejo muitas vezes se apresenta/forma à distância nesse contato com o próximo… Difícil não “transtornar” quando não se há o próprio olhar para maiores entendimentos.
“Diga aquilo que te incomoda quando está incomodando. E não quando está insuportável. Assim, você poderá usar suas melhores palavras, e não suas piores ofensas.”
Reflexões pessoais que giram em torno da temática. Giram mas talvez pouco se objetificam, de forma clara ao que há, acredito que isso fale muito da minha pessoa pois creio estar em volta disso tudo, porém aprendo a lidar de uma forma mais saudável? Vivo e sinto coisas que por vezes sei lidar, ou aprendo a lidar, dia após dia, e percebo que é um constante trabalho envolta de ciclos e mais ciclos de vida. É delicado refletir o quanto para uns se torna mais fácil alguns entendimentos quanto formas de ser e encarar aquilo que se chega, já para outros é um mar bem profundo. Mas acredito que profundezas são boas visto que não tornam-se superfícies de fácil acesso, porém exigem um enorme trabalho de aperfeiçoamento para maior compreensão. Sigo nesse amparo ao outro por intermédio da semelhança e da sincronicidade, na medida em que reconheço que faço parte também dessas reviravoltas que a vida nos traz, chegando também a mim; e na medida do tempo vou aperfeiçoando reviravoltas em entendimentos na busca por receber de forma mais clara e poder somar também, a mim e ao outro, de mim ao outro. Afinal, estou em uma área/saber de vida em que vejo como necessário minha participação ativa nesse desenvolver desta humanidade; ligado a uma busca individual de aperfeiçoamento, é do micro ao macro que partem os movimentos; é poder pensar nas redes em que podemos reestruturar/regenerar numa espécie de encaminhamentos à. Encaminhamentos estes que creio estarem ligados à própria estrutura do indivíduo, naquilo que o mesmo há de desejar, e não como uma tarja em sua vida sobre o que o estrutura, ou, o que o é.
Referências
[i] KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das letras. 2019. Pag 11
[ii] GARCIA, Marta Rizo, ALDAYA, Vivian Romeu. Interculturalidad y fronteras internas. deSignis, Buenos Aires, n.13, p. 47-54, 2009. Pag 49
[iii] DA SILVA, C. R.; DA SILVA, D. M.; DO ROSÁRIO, N. M. Ocupações dos secundaristas do RS: tensões culturais e reconfigurações comunicativas. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/view/67924.
[iv] VIEIRA, E. M.; XIMENES, V. M. CONSCIENTIZAÇÃO: Em que interessa este conceito à psicologia. Psicologia Argumento, [S. l.], v. 26, n. 52, p. 23–33, 2017. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/view/19735. Pag 26
[v] GÓIS, C. W. L. (2005). Psicologia Comunitária: Atividade e vivência. Fortaleza: Publicações Instituto Paulo Freire de Estudos Psicossociais. Pag 87. Contido em: VIEIRA, Emanuel Meireles; X