Não há sociedade, tampouco democracia, sem dialogar com quem pensa diferente

Não há sociedade, tampouco democracia, sem dialogar com quem pensa diferente

Para Dominic Barter (2019), “A ausência de diálogo — com nós mesmos, com o outro, na sociedade — está produzindo formas de viver insustentáveis.” A maneira como nossa sociedade se organiza está diretamente relacionada a formas e padrões de pensamento que moldam nosso entendimento do mundo e definem a forma como nos relacionamos entre nós e com o meio onde vivemos. Certos modelos e tipos de pensamento estão na raiz de como entendemos o mundo e o ser humano, e na maneira como nos organizamos cultural e socialmente em instituições e sistemas, na busca de atender nossas necessidades humanas de subsistência, interdependência, propósito, proteção, conexão etc. (CASELATO, 2020).

Segundo Pedro Consorte (2020), uma boa estratégia para a descoberta de caminhos mais cooperativos é a busca por posturas empáticas e autênticas, como é sugerido pela CNV. Mas isso não deveria ser entendido como algo de responsabilidade estritamente individual, pois o ambiente também atua dentro dos processos, participando, contaminando, estabelecendo condições, facilitando e dificultando acontecimentos. Dominic Barter (2017) traz um exemplo: “Se as pessoas estão se comunicando de uma forma violenta não é simplesmente por escolha própria. É porque elas foram educadas a fazer isso e estão vivendo em contextos sociais que apoiam isso.” Nesse contexto, o discurso da autorresponsabilização também serve como uma armadilha que estimula o individualismo, pois não traz à tona a relação com o próprio ambiente na qual os sujeitos estão inseridos. Segundo Greiner (2006, p.23), “o homem nunca está separado do ambiente onde vive e dificilmente pode ser compreendido sem uma atenção especial às relações que aí se organizam.” Logo, é importante identificar quais são as responsabilidades que cabem ao espaço, pois “o ambiente não é uma estrutura imposta do exterior aos seres vivos, mas, de fato, uma criação co-evolutiva com eles. […] Assim como não há organismo sem ambiente, dificilmente há ambiente sem nenhum organismo” (GREINER, 2006, p.44).

A comunicação não é apenas um jogo de signos e significantes, não é apenas falar, escrever e sinalizar, um mero instrumento. Não é um corpo de estudos ou uma ideologia, tampouco um jogo gramatical e de léxicos. A linguagem é vital, e como tal, ambiente/meio da vida humana como sociabilidade. Podemos até estabelecer relações utilitárias, objetais, do “Isso” como diz Buber em seu livro EU-TU, mas ainda não conseguiremos ver, tocar ou sentir, entrar na presença, no que significa o encontro. Compreendida deste modo, não se deveria usar a expressão “diálogo” quando não houve esta troca real de sentidos, com uma via de encontro. O diálogo tem um poder humanizador, pois está calcado na escuta e conexão com outrem; toca inclusive em algo da ordem da cura, da participação no coletivo, tão bem expresso nos mitos e histórias das tradições em suas vidas comunitárias (PELIZZOLI, 2012).

No senso comum, o diálogo é que uma interação verbal que ocasionalmente gera acordos ou conclusões. Para Humberto Mariotti (2004), o diálogo é uma metodologia de conversação que almeja os efeitos da melhoria da comunicação entre os interlocutores, a observação compartilhada da experiência e a produção de novas ideias e percepções. Diferentemente da discussão, que estabelece análises e conclusões, e do debate, que têm por objetivo prevalecer uma espécie de vitória e derrota neste confronto de ideias, a interação dialógica propõe conexões e novos modos de perceber e compreender, e ainda, a criação de significados em conjunto sem ter que analisar e julgar as situações instantaneamente a fim de não fragmentar, imediatizar e simplificar os conflitos (ALMEIDA, C. D. et al., 2019). Mariotti (2004) propõe que para um diálogo eficiente, é preciso preconizar a suspensão momentânea das certezas humanas a fim de se modificar as perspectivas de percepção para um mesmo problema, dando vasão à quebra de convicções e pré-julgamentos internalizados que anulam a possibilidade de compreender e aprender com o outro.

Em uma sociedade muitas vezes hostil, vulnerabilizar-se pode ser um risco. Falar dos sentimentos, aceitar emoções, expor fraquezas e fragilidades são práticas vistas como diminuidoras. Aquele que se admite frágil pode ser interpretado como alguém que tem menos valor. E assim, é criada uma cultura dos super-homens, das pessoas que não querem se mostrar fracas, das imagens de felicidade plástica das redes sociais, da tensão interna insustentável, do isolamento e da impermeabilização das relações (CONSORTE, 2020, p.104).

Porém, contra intuitivamente, “expressar nossa vulnerabilidade pode ajudar a resolver conflitos” (ROSENBERG, 2006, p.67), o que é muito positivo a qualquer grupo de pessoas que queiram conviver de maneira harmônica e recíproca. Lederach (2012) propõe a substituição do entendimento de “resolver conflitos” pelo entendimento de “transformar conflitos”, principalmente quando não quisermos estancar uma questão e sim impulsionar um processo inclusivo e construtivo de mudança a longo prazo.

Sendo assim, a Comunicação Não-Violenta instiga a promoção do diálogo, sendo um guia que contribui para a reformulação de como ser humano se expressa e ouve o outro, com objetivo de ensinar as pessoas a reaprenderem a se doar em cada interação. “Quando você me dá algo, eu lhe dou meu receber. Quando você recebe algo de mim, eu me sinto tão presenteado” (ROSENBERG, 2006, p.24). Segundo Rodrigo de Almeida (2019), a comunicação empática é um conjunto de técnicas discursivas para se relacionar de forma produtiva, significativa e benéfica com outras pessoas. É a síntese de uma filosofia de vida baseada em consciência, afeto, empatia, generosidade e respeito. A partir da CNV, conflitantes podem restabelecer um vínculo comunicativo fragilizado ou até mesmo rompido pelo calor do conflito. Existe aí o desafio para “compreender que a comunicação é a arte de interpretar o outro, de sermos sensíveis aos signos, a cultura e às formas de enunciar” (PARZIANELLO, 2019, p.8).

 

(…) Trecho retirado do meu trabalho de conclusão de curso – Esperançar: Uma conversa com a comunicação não-violenta 


 

Referências

Almeida, C. D. de, Oliveira, S. B., & Brum, L. S. (2019). DA COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA À CULTURA DE PAZ: círculos, narrativas e contribuições. Revista Observatório, 5(4), 463-480. https://doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2017v5n4p463

Almeida, R. B. de. (2019). A Importância do Estudo das Linguagens para a Comunicação Não Violenta. RELACult – Revista Latino-Americana De Estudos Em Cultura E Sociedade, 5(4). https://doi.org/10.23899/relacult.v5i4.1304

Barter, D. (2017, 31 de outubro). Pesquisador de atritos. [Entrevista concedida à Carla Furtado]. Átomo. Disponível em: https://atomo.cc/pesquisador-de-atritos-d366615963fb

______. (2019, 04 de junho). Dominic Barter: “Nossa cultura tem medo do conflito”. [Entrevista concedida à Thiago Domenici]. Agência Pública. Disponível em: https://apublica.org/2019/06/dominic-barter-nossa-cultura-tem-medo-do-conflito.

Buber, M. (1977). Eu e Tu. Tradução do alemão, introdução e notas de Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Cortez £ Moraes.

Caselato, S. (2020, 21 de janeiro). Roberto Alvim e a “banalidade do mal” [Blog]. Disponível em: https://sandracaselato.blogosfera.uol.com.br/2020/01/21/roberto-alvim-e-a-banalidade-do-mal.

Consorte, P. (2020). Como você está? Princípios da Comunicação Não-Violenta permeabilizando relações. (Dissertação de mestrado em Comunicação e Semiótica, PUC-SP, São Paulo). Recuperado de: https://pedroconsortebr.files.wordpress.com/2021/02/tese-de-mestrado-pedro-leme-consorte.pdf.

Greiner, C. (2006). O corpo: pistas para estudos indisciplinares. 2. ed. São Paulo: Annablume. Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/38334/1/O%20corpo.pdf.

Lederach, J, P. (2012). Transformação de conflitos. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena.

Mariotti, H. (2004). Diálogo: a competência do conviver. Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz – um programa da UNESCO. Universidade de Saúde Pública da USP, São Paulo. Retirado de: http://www.comitepaz.org.br/download/Di%C3%A1logo%20-%20Humberto%20Mariotti.pdf.

Parzianello, S. B. (2019). Formações Discursivas na Comunicação Não Violenta. RELACult – Revista Latino-Americana De Estudos Em Cultura E Sociedade, 5(4). https://doi.org/10.23899/relacult.v5i4.1355

Pelizzoli, M. L. (2012). Introdução à Comunicação Não Violenta (CNV) – reflexões sobre fundamentos e método. Em: Diálogo, mediação e cultura de paz, Pelizzoli, M.L. (org.). (p. 14-46). Recife: Ed. da UFPE.

Rosenberg, M. (2006). Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. 2.ed. São Paulo: Ágora.

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